quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Porto seguro

No fim de tarde os meus pés palmilham o caminho quente que me leva pelo labirinto de Serralves. 
As flores inundam o espaço enquanto o calor do verão se esvai deixando no ar uma brisa seca de início de outono. 
Respiro o ar que me alimenta a alma. Inspiro o doce prazer que este local me traz. 
A hora aproxima-se e com ela a garganta fecha-se e a língua parece feita de papel. 
Ajeito-me vezes sem conta insegura quanto a tudo o que coloquei hoje. O vestido é demasiado longo, o cabelo devia estar apanhado.... 
Sentada num banco em frente ao Palácio as flores caiem das árvores à minha volta num espectáculo incrível deixando no chão de brita uma cama de pétalas coloridas. 
Não consigo estar sentada. Não consigo estar de pé. 
Vejo então um vulto aparecer e desaparecer lá longe entre as árvores e o coração parece querer fugir do meu peito. As mãos começam a vacilar e não sei onde as colocar. 
Um sorriso num tímido cumprimento. As palavras morreram na garganta quando a lista de perguntas na minha cabeça não termina nunca. 
Uma mão toma nela a minha e em gratidão pouso-a no meu peito: quero que sintas o meu coração bater, porque é por ti que ele bate assim. 
As palavras finalmente fluem e cirando à tua volta enquanto trocamos histórias que fazem parte de nós. Sinto-me uma criança em alvoroço. 
O sol ameaça fugir e então corremos à praia para lhe dizer adeus e eu deliro com as últimas ondas do dia. A tua presença é um misto de entusiasmo e sossego. Tudo está ainda por dizer e as horas não têm minutos porque o tempo não tem que existir. Persigo a felicidade quando acompanho o teu olhar fincado no meu a pedir-me para não partir. 
Sou feliz e sei que estás aqui para mim. E ver-te, olhar-te vezes sem conta enche-me a alma e permite-me gravar na memória cada pedaço de ti. 
O sol põe-se contigo deitado no meu colo e os meus dedos a mimarem-te eternamente...
O dia termina com os dois a trautearmos musicas que sabemos de cor, com sorrisos de adolescentes cravados no rosto enquanto desejo que estes momentos durem para sempre. 

* escrito no avião para Reykjavik, sobre o oceano e com um rasgão de sol no pólo norte. A entrar no meu dia de Anos (29). 

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Sonho

Oiço-me dizer o teu nome... Adorava poder dizê-lo vezes sem conta. Repeti-lo até o desgastar e apoderar-me dele tornando-o só meu. 
Sei que me sentiria pequenina enroscada nos teus braços e no teu corpo gigante e simultaneamente descobriria o sossego e o aconchego que tanto preciso. Sentir-me-ia segura, nunca tendo sabido o que isso significa.
Imagino-te. Far-me-ias quebrar. 
Alma de poeta, tão frágil e trágica quanto a minha que perde horas enviando mensagens aos dedos que criam palavras enleadas umas nas outras. Sentidos escondidos talvez....
A música, uma sensibilidade que nos une, quando mesmo sem sabermos são as mesmas notas que nos fazem vibrar o coração.
O mar é uma paixão voraz. As viagens, o sonho que partilhamos.
A felicidade tem o mesmo nome para nós. Existe exactamente nos mesmos lugares.
País atrás de país vamos vivendo a aventura de conhecer novas culturas, adquirir sabedoria e partilharmos um com outro cada por do sol. Somos cúmplices, somos amantes. Experimentamos cada sensação nova e falamos dela até ao amanhecer. Não existem barreiras, medos, limitações: enquanto estiveres aqui tudo para mim fará sentido...
As janelas de uma pequena casa branca por onde o cheiro do mar entra todos os dias. A serenidade do azul e o som delicioso das ondas.  Leonard Cohen ouve-se pela casa enquanto folhas de papel escrevinhadas dormem em cima de um piano. O saxofone está encostado à janela. Na estante multiplicam-se os clássicos. Num pequeno canto intercalam-se os nossos próprios livros. O gato dorme tranquilo no sofá.
Um pequeno relvado estende-se até à areia onde o cão corre livre e feliz e onde um dia irá habitar um parque para as crianças brincarem. Hei-de ouvir o riso estridente de felicidade deles ao serem amados  como ninguém. 
Um barco ancorado à nossa espera. E nele deslizamos sobre a espuma das ondas e naquele lugar verdadeiramente calmo, embalados pela doce ondulação, deito-me no teu peito e deixo que os teus dedos me mimem as madeixas de cabelo cor de areia enquanto o sol arrebita as sardas empoleiradas no meu nariz. As nossas mãos brincam uma na outra e os nossos lábios repletos de sal amam-se na tranquilidade de não existir mais nada. 
E neste sossego abençoado, pode ser que a esperança de um coração renascer exista e que na nossa curiosidade pelo mundo, o nosso mundo seja apenas um.



domingo, 18 de agosto de 2013

Tarde demais

Há uma dor que me corrompe a alma.
O ar deixou de entrar nos pulmões e a garganta fechou-se com o sangue que pulsava demasiado rápido pelo meu pequenino corpo.
A dor foi da urgência... foi de não te ter dito não. 
Provei o oposto da minha missão.
Mostrei a única coisa que não faz parte de mim. 
Deixei-me consumir pela inconsciência e agora a consciência mata.
Guardar-te-ei na memória de algo que nunca aconteceu. 
Se ouvisses a verdade nunca nela acreditarias ... é tarde demais. 

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Elevador

Odeio elevadores.
Pequenos espaços claustrofóbicos. 
Selados. Perigosos.
Sítios que provocam delírios na minha imaginação tresloucada.
Pequenas prisões que me dão calafrios de medo e excitação. 
Não querer querendo fugir. Dar ao meu lado direito mil razões para sonhar e ao meu lado esquerdo um milhão de preocupações.
(Há um botão que não foi carregado mas ainda assim a porta fechou-se.)
Sentir-me encurralada em algo tão decadente quanto o desejo mais puro. Sentimentos primários, básicos, originais do ser humano. Ser pré-histórica porque a inovação me traz a privacidade e escondida dos olhos do mundo não existo e posso despir da alma todas as contingências da história.
Neste elevador não existem cicatrizes, nem alma, nem coração, nem sentimentos. Sensações apenas que me provocam arrepios ilimitados na pele do meu corpo e uma euforia que me deixa mazelas nos lábios sedentos. Ser animal. Ser fera. 
Ser o que me está na génese e não no pacto com a sociedade. 
Sentir-te finalmente. O meu corpo enrolado no teu e uma força magnética a querer mandar em nós.  
Um elevador abre as portas. A percepção da loucura atenua-se. O corpo pede por mais.