quarta-feira, 25 de abril de 2018

Predadores

Um jogo com uma parada alta.  
A somar ao atraso dos meses atraso-me em minutos. “Está frio e tenho sono, devia cancelar isto.” Do outro lado um outro corpo cansado de várias horas de voo.  
No gelo da tarde visto uma figura há muito esquecida num exercício de prazer que há muito não tinha. 
Saio para a rua com o vento a violentar o cabelo acabado de esticar e colá-lo aos lábios pintados de vermelho sangue. Depois de falhar a minha pretensa meticulosa pontualidade encontro no lugar do bistrô um malagueta fechado contigo relaxadamente encostado à caixa de eletricidade “era aqui”. “Batemos à porta?” Pergunto numa tentativa de forçar um sorriso. 
Um velho Irish pub torna-se de improviso o abrigo de um café regado a cerveja e gin tónico. 
A conversa fluía enquanto o espaço entre nós diminuía. “Por falar em comida, ainda não jantámos” e nas horas que voavam mudamos de poiso. 
Num ambiente sossegado e silencioso não senti o sabor da comida: poderia ter sido qualquer coisa que eu não prestei atenção. Trocámos histórias de demónios angelicais e em pequenos toques distraídos tudo se ia tornando mais confortável. 
Dois predadores tinham-se juntado à mesa à espera do outro ser presa. Este tinha-se tornado um jogo com uma parada alta. 
“Onde estacionaste? Eu levo-te ao carro” e anestesiada pelo excesso de álcool caminhei contigo uma caminhada que curta se tornaria longa. E sem ver, sem pressentir sou puxada e sinto o chão a fugir-me quando os teus lábios se cravam nos meus e as nossas bocas se encaixam na naturalidade da perfeição.
No meu cérebro não se gravou a memória dos caminhos que percorremos: gravou-se a memória de beijos fogosos e pequenas lutas de poder. Lembravas-te de tudo, percebi naquele instante. Aquele instante em que sem te querer largar queria o aconchego de um tecto para poder continuar o jogo. A chuva aparecia intermitentemente a expulsar-nos da rua por onde passavam pessoas que olhavam dois adolescentes. Não me lembro da última vez que me senti tão viva. E com o cabelo em desalinho corro para o teu ninho lembrando a mim mesma “you’re a demon but yet an angel, all things in one”.  
Entre beijos e palavras o tempo pareceu não ter tempo. "És um tesão" e na crueza das palavras percebi que me apreciavas. O teu toque era o refúgio que precisava e nem quando o grand finale durou apenas 10 segundos deixei de sentir agradecida. As palavras continuaram servidas com pequenas carícias: aquela era  uma noite para desfrutar. Desfrutar do atraso. Desfrutar do demasiado pouco. 
Quero mais. O relógio lembra-nos das obrigações mundanas: sorte a nossa que o tempo deu-nos uma hora extra.  
Deixei-te e os meus lábios fragilizados da intensidade do teu beijo pediam por mais.  
No gelo da chuva e da noite avançada senti o meu coração bater desenfreadamente. 
“Raios, vais-me ficar na cabeça.” 
E o dia seguinte comprovou que eu tinha razão. Quero mais.

Sem comentários:

Enviar um comentário